segunda-feira, 15 de dezembro de 2025

Habitar da alma

 

Habitar da alma

Gosto de socar o alho com sal na panela de fundo duplo, criando uma pasta caseira e saborosa. Levo a panela ao fogo, acrescento o óleo e deixo dourar. Sinto o perfume subir, vejo o dourado claro ganhar vida… isso é cozinha da alma. Em seguida, vai o arroz, já bem lavado e branquinho, numa bela refogada, até ouvir o som da água fria encontrando o arroz quente — aquele chiado que anuncia o encanto. Em poucos minutos, o arroz está pronto: soltinho, cheiroso, com gosto de casa.
Gosto de acordar não muito cedo e sair abrindo portas e janelas, deixando a luz do sol, o vento e a vida entrarem. Momento de oração. Observo paredes e tetos: tenho abrigo. Gratidão.
Gosto de guardar coisas e ressignificar outras que carregam histórias da minha vida.
Gosto de andar na rua, ver gente, estar no esbarro do mundo com pessoas de todos os tipos, formas e cores que cruzam o meu caminho. Talvez por isso, quando estou numa fila, é logo à minha frente que pedem passagem; quando caminho na calçada ou na rua, me param para pedir esmola ou informação. Sem falar nos panfletos: pego todos e só me desfaço deles quando a pessoa já não me alcança com os olhos. É por respeito.
Subo e desço escadas, gostando ou não — acaba sendo uma boa atividade física. Ah, escada… quantas vezes desci arrastando os pés e cambaleando o sono, às cinco da madrugada, para colocar a Educação em primeiro lugar. Valeu a pena.
Sou de poucos cosméticos; foi a idade avançada que me trouxe para mais perto da vaidade. Engraçado, não é?
Cuido pouco de plantas e  animais. Gosto mesmo é de gente. Dedico-me aos humanos, aos meus semelhantes aos meus  descendentes. Gente exige presença, escuta e paciência.
Gosto de descansar na cama, no quarto. Ali é o corpo se recolhe, e o mundo espera — é  repousante e confortável.
Gosto de organizar a própria casa, criando memória. É meu ninho, onde me reconheço e me protejo.
"Tudo em minha casa tem existência. Todas as coisas significo com os olhos ou com as mãos. Minha casa tem silêncios que às vezes ouço em meu corpo; há silêncios maiores ainda que escuto e transformo em poema Faço poemas do silêncio que ouço."
Gosto de deixar coisas feitas e arrumadas. Talvez seja apenas amor, ou uma forma mais simples e mais humana de eternidade.

Dez/2025

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