quinta-feira, 27 de maio de 2010

Cleonice Berardinelli

Nova imortal na  Academia Brasileira de Letras
CLEONICE BERARDINELLI toma posse e se junta a ex-alunos

Especialistas em literatura portuguesa e uma das principais estudiosas da obra de Fernando Pessoa no mundo, a professora Cleonice Berardinelli tomou posse ontem da cadeira número oito da Academia Brasileira de Letras (AFL). Cleonice havia sido eleita em dezembro para seceder o escritor Antonio Olinto. Aos 93 anos, ela é professora emérita da PUC_RIO e da UFRJ, onde começou a trabalhar como professora há seis décadas. Ao longo da carreira, ela deu aulas a quatro atuais integrantes da ABL: Affonso Arinos de Mello Franco, Domício Proença Filho, Antonio Carlos Secchin e Ana Maria Machado.
_ É uma oportunidade de reencontrar vários ex-alunos _ disse ela, emocionada.
Autora de livros como uma edição crítica dos "Poemas de Álvaro de Campos" e " Fernando Pessoa : outra vez te revejo ..." , entre outros, Cleonice é acadêmica correspondente da Academia das Ciências de Lisboa desde 1975.

(fonte : Jornal O Globo - abril 2010)

Dois cappucinos e a conta ...
por Mauro Ventura

Há oito dias , Cleonice Berardinelli completou 65 anos de magistério. No dia 19 de setembro de 1944, ela entrava na sala de aila da Faculdade Nacional de Filosofia para falar sobre o poeta, romancista e historiador Alexandre Herculano. Em 1953 passou a lecionar também na PUC. Dona Cleo, ou Divina Cleo, como é chamada por colegas e alunos, é a maior especialista em literatura portuguesa do país. Aos 93 anos, dona de uma memória prodigiosa e uma vitalidade invejável, inspiradora de crônicas de Manuel Bandeira e Drummond, autora de obras sobre Camões e Pessoa, é favorita absoluta para a cadeira número oito da ABL, vaga com a morte de Antonio Olinto. Já orientou bem mais de cem dissertações e teses. Foi eleita a personalidade cultural de 2009 pela União Brasileira de Escritores.

. . . com Cleonice Berardinelli

Revista o Globo: Por que você continua a dar aula aos 93 anos ?
Cleonice Berardinelli : Adoro minha profissão. Dou aula porque quero e porque me recebem de braços abertos. Nunca tirei férias, licença-prêmio, licença-especial. Na PUC, dou aula às quartas. Na UFRJ, às quintas. No Fundão, não ganho nada, porque já me aposentei. Pago R$ 80 de táxi para ir e voltar. Ao me aposentar, achei que ia ficar mais folgada, voltar a estudar piano. Mas a faculdade me puxou de volta.

Você tem ideia de quantos alunos já teve?
Não. Comecei a fazer o cálculo bem por alto, e o número mil ficou para trás.O acadêmico Afonso Arino de Mello Franco foi meu aluno em tempos imemoriais, ele me chamava de " professora amada". Dei um curso na Casa do saber.

Como anda a nossa língua?
A novela é uma aula de mau português. Um dos erros mais flagrantes é " não fala nisso, não", em vez de " não fale nisso, não". Meu neto diz: "Ah, vó, a língua não evolui ?" Evolui, mas não precisa involuir. Também acho que há professores que não têm este ímpeto para contaminar os alunos com a paixão. Dão aulas desanimada, como quem exerce uma obrigação. Nasci numa casa que não tinha literatos, mas se falasse uma coisa errada vinha a correção: " Não é assim que se diz, minha filha."Uma vez, eu devia ter uns 5 anos, minha mãe me segurava na janela para ver o movimento quando passou uma menina de uns 8 anos com a babá. Minha mãe perguntou aonde ela ia. E a garota : " Nós fumos a ..." Eu a corrigi: " Fumos, não, fumamos." Eu não imaginava que ela poderia ter errado a conjugação. Achei que era relativo a cigarro.

Quantos livros devem ter em sua casa ?
A secretária está catalogando. O escritório é todo cercado de livros. O corredor é largo e tem estantes do chão ao teto. No quarto de trás também. No meu quarto, de cada lado da cama tem estantes. À esquerda, mora Fernando pessoa. Ele é o único que tem o privilégio de morar ao lado de minha cama.

Você se preocupa com a velhice ?
Não tenho tempo . Às vezes , quando olho no espelho acho que a cara está franzindo muito, mas aí me consolo porque há outras piores, então vamos em frente. Os amigos já estão fazendo planos para comemorar os meus cem anos, Brincam: " Faz favor de se tratar direito". Eu me trato, não tenho nada grave, Até dois anos atrás, eu dirigia. Um ponto triste da minha biografia é que parei. Minha família achou que eu não teria mais reflexos rápidos o suficiente. E imaginou que os assaltantes olhariam meus cabelos brancos e veriam que sou uma velhinha frágil.

( fonte : Revista O Globo - 27 de setembro de 2009 )

Nenhum comentário:

Postar um comentário