terça-feira, 5 de maio de 2020

O Bêbado e a Equilibrista


Morre o compositor Aldir Blanc na madrugada de segunda -feira (4) aos 73 anos. Morreu vítima de complicação da Covid-19 no Rio de Janeiro. Descanse em paz! Ele é autor de várias canções da música popular brasileira e cronista. A música que conheço e gosto muito é "O bêbado e a Equilibrista" que sempre ouvi na voz de Elis Regina.. Através das redes sociais fiquei conhecendo a história dessa música e achei muito boa e interessante e resolvi postar. Achei no facebook Jocely Macedo da Rocha, que me repassaram. Caso não permita eu deleto a postagem.Veja:

HISTÓRIA PARA NUNCA ESQUECERMOS E REPASSARMOS SEMPRE AOS QUE NÃO A VIVERAM:
Aldir Blanc: conheça a história de 'O bêbado e a equilibrista', hino da Anistia e um clássico da música brasileira
RIO - Em 25 de dezembro de 1977, morria na Suíça o genial comediante e cineasta inglês Charles Chaplin. No Brasil, o cantor, violonista e compositor João Bosco sentiu a necessidade de homenagear o artista e, entre o Natal e o Ano Novo, começou a rascunhar um samba que remetia ao personagem mais famoso de Chaplin, o vagabundo Carlitos. E aí resolveu chamar o seu parceiro de fé, Aldir Blanc, que morreu nesta segunda-feira, vítima de complicações da Covid-19, para pôr letra na sua criação. Só que nas mãos de Aldir, o samba acabou tomando outros rumos, vindo a se tornar “O bêbado e a equilibrista”, um clássico da música popular brasileira e hino informal da Lei da Anistia – a que seria responsável por trazer de volta ao país, em 1979, alguns dos brasileiros exilados pela ditadura militar.
“O João me chamou na casa dele e disse que havia feito um samba, cuja harmonia tinha passagens melódicas parecidas com ‘Smile’ [tema do filme “Tempos modernos”], propositalmente construídas para que homenageássemos o cineasta”, contou Aldir anos mais tarde, em depoimento à Associação Brasileira de Imprensa (ABI). — Só que, casualmente, encontrei o [cartunista] Henfil e o [violonista e compositor] Chico Mário, que só falavam do mano que estava no exílio. Cheguei em casa, liguei para o João e sugeri que criássemos um personagem chapliniano, que, no fundo, deplorasse a condição dos exilados. Não era a ideia original, mas ele não criou caso e disse: ‘Manda bala, o problema é seu.’
“Caía a tarde feito um viaduto / e um bêbado trajando luto / me lembrou Carlitos” – assim começa “O bêbado e a equilibrista”, com sua letra que empilha referências a eventos e personalidades marcantes do período de exceção no Brasil. Nos versos “choram Marias e Clarisses”, por exemplo, Aldir Blanc cita as viúvas Maria, mulher do operário Manuel Fiel, e Clarisse Herzog, esposa do jornalista Vladimir Herzog, brasileiros assassinados nos porões do DOI-CODI (órgão de inteligência e repressão do governo militar, subordinado ao Exército) por fazerem parte da oposição política à ditadura. Já tarde que caía “feito um viaduto” fazia menção à queda, em 1971, do Elevado Paulo de Frontin, no Rio de Janeiro (a obra, concluída dois anos antes, ruiu subitamente, soterrando 48 pessoas e matando 29).
Mas o trecho mais lembrado de “O bêbado e a equilibrista” é justamente o do “Brasil que sonha com a volta do irmão do Henfil”, referência ao sociólogo Herbert José de Sousa, o Betinho, que esteve exilado desde 1971, tendo passado pelo Chile (onde foi assessor do presidente Salvador Allende, deposto e assassinado em 1973, no golpe militar do general Augusto Pinochet), Canadá e México.
Quando o samba ficou pronto, João Bosco e Aldir Blanc o enviaram para a cantora que melhores interpretações e mais visibilidade vinha dando a suas composições: Elis Regina, estrela suprema da MPB. A mesma artista que, em 1972, havia sido “enterrada” por Henfil, em uma charge para o jornal “Pasquim”, no chamado Cemitério dos Mortos-Vivos, devido à participação na Olimpíada do Exército (ela havia recebido ameaças do Exército por comentários depreciativos feitos em entrevistas dadas na Europa e, por temer pelo filho pequeno, achou melhor atender ao convite para a apresentação).
Já reconciliada com Henfil, Elis mostrou “O bêbado e a equilibrista” ao cartunista, que percebeu naquele samba um importante aliado na luta pela abertura política diante de uma ditadura então enfraquecida: “Agora temos um hino, e quem tem um hino faz uma revolução!”, disse Henfil a Betinho, por telefone, tentando convencê-lo a voltar ao Brasil. A música foi lançada pela cantora em “Essa mulher”, seu LP de 1979, e foi tocada, em diversos gravadores, pelas pessoas que foram receber os exilados (Betinho, entre eles) no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, no mês de setembro.
O detalhe curioso sobre “O bêbado e a equilibrista” é que, quando escreveu sobre “a volta do irmão do Henfil”, Aldir Blanc de fato não sabia o seu nome. E passou-se um bom tempo até que os ele viesse a conhecer pessoalmente o sociólogo, que se depois da volta ao Brasil se tornaria um importante ativista pelos direitos humanos, vindo a criar o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) e, mais tarde, a Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida.
“Nós tivemos um encontro que só pode ser chamado de cômico”, contou Aldir Blanc em depoimento ao Ibase, em 2017, nos 20 anos da morte do Betinho (ele sucumbiu a complicações da Aids, que antes dele levou os seus irmãos igualmente hemofílicos Henfil e Chico Mário). “Eu esperava encontrar um sociólogo, um sei lá o quê e tal, e vi um sujeito irônico, gozador, embora com os olhos marejados de lágrimas. Nosso primeiro encontro foi na porta do banheiro do Canecão. Nos abraçamos e a frase dele foi: ‘Eu não ia voltar, eu tinha me planejado todo para não voltar, mas ouvi a sua letra para a música do João e resolvi voltar, seu filho da puta!’”
(fgonte: facebook Josely macedo da Rocha)
O Bêbado e a Equilibrista
Caía a tarde feito um viadutoE um bêbado trajando lutoMe lembrou CarlitosA lua tal qual a dona do bordelPedia a cada estrela friaUm brilho de aluguel
E nuvens lá no mata-borrão do céuChupavam manchas torturadasQue sufoco!Louco!O bêbado com chapéu-cocoFazia irreverências milPra noite do BrasilMeu Brasil!
Que sonha com a volta do irmão do HenfilCom tanta gente que partiuNum rabo de fogueteChoraA nossa Pátria mãe gentilChoram Marias e ClarissesNo solo do Brasil
Mas sei que uma dor assim pungenteNão há de ser inutilmenteA esperançaDança na corda bamba de sombrinhaE em cada passo dessa linhaPode se machucar
Azar!A esperança equilibristaSabe que o show de todo artistaTem que continuar
(compositor Aldir Blanc / João Bosco)
***Achei mais histórias ... facebook MPB

O Bêbado (1- O bêbado representa os artistas, poetas, músicos e "loucos" em geral, que embriagados de liberdade ousavam levantar suas vozes contra a ditadura.)

e a Equilibrista (2- A equilibrista era a esperança de democracia, um projeto de abertura política gradual, que a cada "eleição", a cada evento que incomodava os militares (passeatas, etc), tinha sua existência ameaçada.)
Caía a tarde feito um viaduto (3- Um viaduto, obra do governo, caiu, desabou sobre carros e ônibus cheios de pessoas, matando muita gente. Na época, nada pôde ser noticiado nem as pessoas foram devidamente ressarcidas ou indenizadas. Cidade de Belo Horizonte, viaduto da Gameleira, década de 70. )
E um bêbado trajando luto (4- Referência aos militantes de esquerda que foram "sumidos" ou declaradamente assassinados sob tortura.) 
me lembrou Carlitos
A lua (5- A lua representa os políticos civis que se colocaram a favor do regime, a fim de obter ganhos pessoais. Eles "acreditavam" tanto na propaganda oficial que se dizia que se um general declarasse que a lua era preta eles passariam a defender tal tese como verdade absoluta. Em determinada época foram até chamados de luas-pretas.)
tal qual a dona do bordel (6- A Câmara de Deputados e o Senado foram algumas vezes comparados a bordéis devido aos negócios imorais que lá se faziam. É claro que os cidadãos indignados não podiam dizer claramente que pensavam isto, ou seriam no mínimo processados por calúnia, injúria, difamação e etc.)
Pedia a cada estrela fria (7-As estrelas são os generais, donos do poder. Alguns deles nunca apareceram como governantes, preferindo manipular nos bastidores. Se contentavam com uns poucos privilégios astronômicos e umas ninharias de cargos de direção em estatais ou o poder de nomear umas poucas dezenas de parentes e correligionários em empregos públicos.)
um brilho de aluguel (8- O brilho de aluguel era, como mencionado acima, os ganhos pessoais e até eleitorais obtidos pelos civis que aceitavam ser marionetes. Alguns destes civis cresceram tanto que altrapassaram em poder os seus "criadores" fardados.)
E nuvens (9- Os torturadores são aqui comparados a nuvens, pois eram intocáveis e inalcançáveis.)
lá no mata-borrão(10- O mata-borrão é um instrumento antiquado destinado a eliminar erros, borrões na escrita. O DOI-CODI, nossa temível polícia política da época era o mata-borrão do regime (instrumento antiquado destinado a eliminar erros).)
do céu (11- As prisões eram inalcançáveis ao cidadão comum, inacessíveis, por isso a comparação com o céu. )
Chupavam manchas (12- Os rebeldes são comparados a manchas, ou seja um erro na escrita, uma coisa fora da ordem, uma indisciplina.)
torturadas (13- Referência à tortura aplicada aos militantes de esquerda, que ocorria às escondidas. O regime jamais admitiu que torturava pessoas, porém nunca houve punições aos casos que conseguiam alguma divulgação, apesar da censura à imprensa.), que sufoco louco
O bêbado com chapéu coco fazia irreverências mil (14- Os artistas nunca se calaram. Esta música, ele própria é uma das irreverências.)
Pra noite do Brasil (15- Um tema recorrente nas músicas da época. A volta das liberdades políticas é comparada ao amanhecer, bem como a ditadura é comparada à noite.), 
meu Brasil
Que sonha com a volta do irmão do Henfil (16- O Henfil (Henrique Filho) era um afiadíssimo cartunista político muito visado pelo regime, bem como seu irmão o Betinho, que no governo Fernando Henrique organizou o programa de combate à fome. Os dois eram hemofílicos e morreram de Aids.)
Com tanta gente que partiu (17- Referência aos exilados políticos.)
num rabo-de-foguete
Chora a nossa pátria mãe gentil
Choram Marias e Clarisses (18-Maria é a esposa do operário Manuel Fiel Filho morto sob tortura nos porões do DOI-CODI (SP) em janeiro de 1976 e Clarice é a esposa do jornalista Wladimir Herzog, também morto sob tortura, no DOI-CODI (SP) em outubro de 1975.)
no solo do Brasil.
***

As vezes de madrugada
Encontro comigo mesmo
Mas finjo que não conheço.

***

Tem dias que acordo tão mal
Que até as minhas digitais
causam má impressão.

(Aldir Blanc)
***

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